Homilia - Dom Wesley Ravassi por Ocasião da Santa Missa de acolhida na Arquidiocese de São Salvador




Meus queridos irmãos, a existência terrena de Maria começa com um privilégio extraordinário e termina com um privilégio extraordinário. Começa com a Imaculada Conceição e termina com a Assunção. E os dois privilégios são estreitamente interligados. São Paulo nos diz que a morte veio por um homem - Adão - veio como consequência do seu pecado, que todos nós misteriosamente ratificamos, tornando-nos assim sujeitos à morte. Se Adão não tivesse pecado, não teria morrido; se nós não o tivéssemos imitado, nós não morreríamos. "A paga do pecado é a morte..." "...Mas o dom de Deus é a vida eterna no Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rm 6,23).

A morte veio, por meio de Adão, mas no caso de Maria em si mesmo Cristo "interveio", se interpôs entre Maria e a morte, se interpôs entre Maria e o pecado, absorvendo toda a força do golpe do pecado e da morte, que é o seu inseparável resultado. Então, Maria nunca pecou, e viveu, segundo diz o poeta inglês Wordsworth, como Our tainted nature's solitary boast- "A única glória de nossa natureza corrompida". 

Para nós, este privilégio de Maria acabou sendo um grande privilégio também. Ao contemplarmos a Virgem Maria, conseguimos contemplar a natureza humana virginal, a natureza humana tal como Deus a tinha planejado - humilde, obediente, amorosa, prestativa, leal, "dada". Ao contemplarmos a Virgem Maria, começamos a esperar timidamente que mesmo depois da queda esta condição não tenha sumido do mundo das possibilidades, que talvez a inocência que Maria nunca perdeu nos poderia ser restaurada - porque não é possível contemplar a nossa verdadeira natureza sem experimentar saudades dela. Maria, simples mente por ser a criatura que era, nos mostrou que ainda nunca fomos nós mesmos e inspirou em nós um gran de desejo: "Dá-me a parte da herança que me pertence" (Lc 15,12). Dá-me de volta, ó Deus, o meu verdadeiro eu.

Este privilégio de Maria ganhou para nós um beneficio talvez ainda maior: seu amor maternal infinito. Sabemos, por triste experiência própria, que o pecado nos fecha em nós mesmos. Se há uma ligação intima entre pecado e morte, também há uma ligação entre o pecado e o desamor. Quem peca se torna progressivamente incapaz de amar. E por isso que os Padres da Igreja, inclusive São Bernardo, recusam o titulo de "mãe" a Eva. "Mãe, ela? De jeito nenhum! Ela é a nossa madrasta. Ela nos deu a morte e não a vida, não nos deu à luz e, sim, às trevas". Maria, ao contrário, livre do pecado, vive para amar e abraça todo ser humano neste amor universal, cobre-nos a todos com seu manto de misericórdia. Quantas vezes sentimos a diminuição de ama tentação, a libertação de um mau pensamento que nos martelava a cabeça, a evasão de um perigo e, de repente, nos damos conta: "Ela estava aqui, amando a mim". Reconhecemos pelo dom da fé e o ensinamento da Igreja que de fato o amor divino de Cristo e o amor humano de Maria medianeira transformaram nossa tímida esperança em realidade. Cristo, junto com sua mãe debaixo da cruz, se interpôs entre nós e o pecado, entre nós e a morte. No caso de cada um de nós, como diz São Paulo, isso não aconteceu depois um único pecado, mas depois uma multidão de transgressões. O que importa? Podemos dizer, com todo o devido respeito, que "onde o pecado abundou, a graça superabundou" (Rm 5,20). Maria foi protegida do pecado original pelos méritos antecipados da morte de Cristo - ela recebeu o tratamento profilático. Mas o divino médico nos atendeu também, nos socorreu também, e nos curou também.

Por causa dessa experiência, dessa realidade, que chamamos de salvação, redenção, e que nos assemelha a Maria imaculada, que faz de nós Marias purificadas, olhamos também para o segundo privilégio mariano com esperança e, desta vez, uma esperança não tão tímida. "Se quando éramos inimigos de Deus, como pecadores inveterados, fomos reconciliados com Ele pela morte do seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida. Ainda mais, nós nos gloriamos em Deus" (Rm 5,10-11). O que significa "Nós nos gloriamos em Deus"? Nós voltamos o olhar para a nossa futura glória em Deus. Nós acreditamos? "Nós seremos imersos na glória de Deus" que para nós será, como diz São Paulo de novo, um peso de glória além de toda computação. Nós contemplamos Maria glorificada por sua Assunção e sentimos confiança. Lá está o nosso futuro.

O meu irmão, quando criança, acreditava piamente que nós dois estávamos juntos no seio materno e quando chegou o tempo para eu nascer, ele me disse: "Boa viagem! Até daqui a oito anos". Podemos nos imaginar como testemunhas do mistério de hoje, como se fossemos os Apóstolos presentes na dormição e Assunção de Nossa Senhora e, neste caso, com justiça poderíamos dizer para Maria: "Boa viagem! Até daqui ao momento já escolhido por Cristo. Até daqui até a grande consumação". O timing é incerto, mas o fato não o é. Se perseverarmos em nosso seguimento de Cristo, um dia reinaremos com Ele e com sua mãe. Não por nossos méritos, mas pelos deles. A nossa glória será sempre fundamentada em gratidão.

Assim Seja, Amém


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